“Tech Visa” francês: a facilitação ao empreendedorismo e aos talentos tecnológicos estrangeiros e a meta de tornar a França polo mundial de startups

Thaís Farhat Neves

A fim de facilitar a emissão de vistos profissionais e desburocratizar o processo de sua obtenção, a França passou a adotar o “Tech Visa” como modalidade de visto específica para contratação de profissionais em startups, atraindo investimentos estrangeiros na área de inovação e mão de obra cada vez mais especializada.

A nova modalidade de visto permite que startups francesas contratem profissionais de todo o mundo e que receba startups estrangeiras interessadas em se instalar e empreender na França, sendo descrito pela “La French Tech”, iniciativa do governo voltada para tecnologia, como “um dos vistos para startups mais abertos da Europa”.

Apesar de outros países contarem com visto semelhante, são mencionados alguns diferenciais: é “agnóstico” – pois não apresentaria requisitos de aceitação, se estende à família do profissional, requer menos justificativas burocráticas na contratação de estrangeiros, é válido por 4 anos e renovável, não possui custos adicionais, inclui processos de avaliação independente da nacionalidade e oferece apoio por meio do programa “Welcome to French Tech”.

Em entrevista concedida à Forbes, para o atual presidente francês, Emmanuel Macron, que atuou por mais de três anos como banqueiro de investimentos e como empreendedor em uma startup de educação, “há três ou quatro décadas, a maneira clássica, na França, de reagir às mudanças é dizer que vamos resistir às mudanças”. Mas para convencer a indústria da tecnologia a escolher a França, o presidente francês precisou mudar drasticamente o contexto político-econômico do país.

O panorama inicial – bastante desfavorável ao empreendedorismo – incluía imposto correspondente a 42% sobre os salários, legislação trabalhista complexa contando com um Código de aproximadamente 3 mil páginas, além de greves constantes, jornada semanal obrigatória de 35 horas e mão de obra cara. Por meio de decretos, foram aprovadas novas leis mais simples, facilitando a contratação de profissionais, a redução de impostos sobre ganhos de capital e remuneração dos trabalhadores. Além disso, pretende-se extinguir o “imposto de saída”, correspondente a 30% sobre o capital francês investido fora do país.

Com a aprovação das reformas trabalhistas, se de um lado verificaram-se inúmeros cortes em postos de trabalho e greves, de outro, entidades estrangeiras anunciaram novos investimentos de até US$ 12,2 bilhões, incluindo empresas como Disney, a alemã SAP, em centros de pesquisa e desenvolvimento e em aceleradoras de startups. Além disso, empresas como Facebook e Google têm procurado especialistas franceses em inteligência artificial.

Para ser elegível como empreendedor, é necessário possuir recursos financeiros mínimos (com base no salário mínimo anual), contar com um projeto de startup inovador a ser desenvolvido e ter a aprovação de uma organização pública francesa.

Para integrar o programa na qualidade de empresa contratante, é necessário possuir o código “SIRET”, referente à localização do empreendimento, e que cumpra um dos seguintes requisitos: (i) ser considerada “Young Innovative Enterprise” (JEI); (ii) ser beneficiária de financiamento estatal voltado para inovação, nos últimos 5 anos; (iii) ter apoio de um capitalista de risco francês ou de um fundo integrante do programa French Tech, podendo ser apoiada por uma VC francesa ou associar-se  a uma aceleradora incubadora.

Já o profissional, para obter o Tech Visa, deverá ser contratado por uma das startups que integram a lista criada pelo governo das 100 principais startups francesas, ainda que não permaneça contratado por todo o período, podendo então ser contratado por outra empresa ou começar a empreender por conta própria.

Os números demonstram que os resultados têm sido positivos: em 2017 a França contava com apenas três startups, avaliadas em US$ 1 bilhão, em face de 22 startups bem-sucedidas no Reino Unido e 105 nos EUA; hoje, visando ser reconhecida como polo mundial das startups, além de ter exportado cerca de 60 mil franceses para o Vale do Silício, o que coloca os profissionais do país entre os mais qualificados do continente europeu, conta com investimentos previstos em 15 bilhões de euros para o desenvolvimento de talentos em distintas áreas. Além disso, o crescimento no número de startups francesas no primeiro trimestre de 2019 foi o maior observado desde 2010.

Hoje, com os incentivos políticos, fiscais e econômicos, mais de 10 mil empresas são elegíveis para o programa e inúmeros projetos ao redor do mundo têm sido criados incentivando a aproximação com o mercado de startups francês, o que deverá aumentar ainda mais diante dos planos do Fundo Francês de Aceleração Tecnológica criado pelo governo de investir 200 milhões de euros em incubadoras até 2020, evidenciando a relevância não somente socioeconômica mas também política que a cultura de inovação das startups têm representado para o mercado mundial, que tem atraído todos os holofotes quando se trata de investidores e headhunters.