Recuperação Judicial:STJ Inova e decide pela validade de cláusula de supressão das garantias real e fidejussória estampadas expressamente no plano de recuperação judicial

Wanderley Romano Donadel | Maria Inez Oliveira e Silva

O ano de 2017 ainda não chegou ao fim, mas já deixa em seus registros marcas significativas no âmbito do direito empresarial, mormente no que diz respeito à Lei de Recuperação Judicial e Falências (Lei 11.101/05), isto porque em julgado inovador o Superior Tribunal de Justiça confirmou, em sede de Embargos de Declaração, decisão proferida ao final do ano de 2016 nos autos do recurso especial 1.532.943/MT no sentido de validar cláusula de supressão das garantias reais e fidejussórias admitidas expressamente no plano de recuperação judicial.

A decisão, entretanto, deve ser analisada com reserva. Entendamos a celeuma causada pelo julgamento do recurso.

Dispõe a Lei 11.101/05 em seu art. 59 que, “o plano de recuperação judicial implica novação dos créditos anteriores ao pedido, e obriga o devedor e todos os credores a ele sujeitos, sem prejuízo das garantias, observado o disposto no § 1o do art. 50 desta Lei.”

Neste ponto, para melhor entendimento, oportuno ainda a transcrição do art. 50, § 1º do mesmo diploma legal:

Art. 50. Constituem meios de recuperação judicial, observada a legislação pertinente a cada caso, dentre outros:

(…)

§ 1o Na alienação de bem objeto de garantia real, a supressão da garantia ou sua substituição somente serão admitidas mediante aprovação expressa do credor titular da respectiva garantia.

Pois bem, da interpretação dos citados dispositivos se pode concluir que, em que pese a aprovação do plano de recuperação judicial garantir à empresa recuperanda a novação de seus débitos, sujeitando as partes envolvidas às cláusulas ali estabelecidas, as garantias são preservadas, sendo necessária, inclusive, autorização expressa do credor titular para supressão ou substituição da garantia.

Entretanto, a controvérsia surge no momento em que o próprio plano de recuperação judicial expressamente dispõe a respeito da supressão das garantias reais e fidejussórias sendo ele aprovado em assembleia geral de credores. Nesse sentido, poderia o plano prever condição diversa daquela estabelecida em lei? Qual o alcance da cláusula de supressão?

É nesse momento que inova o STJ ao decidir pela validade da cláusula de supressão com amparo no art. 49 da Lei sob análise, que assim versa:

Art. 49. Estão sujeitos à recuperação judicial todos os créditos existentes na data do pedido, ainda que não vencidos. § 1o Os credores do devedor em recuperação judicial conservam seus direitos e privilégios contra os coobrigados, fiadores e obrigados de regresso. § 2o As obrigações anteriores à recuperação judicial observarão as condições originalmente contratadas ou definidas em lei, inclusive no que diz respeito aos encargos, salvo se de modo diverso ficar estabelecido no plano de recuperação judicial.

No caso em espeque, a assembleia geral de credores, revestida de toda legalidade, vez que observou todas as disposições legais para sua instalação, validou o plano de recuperação judicial que constou expressamente que uma vez aprovado, todas as garantias fidejussórias e reais existentes em nome dos credores seriam suprimidas.

Nesse contexto, entendeu o Ministro Marco Aurélio Bellizze, relator do caso, que seria “absolutamente descabido restringir a supressão das garantias reais e fidejussórias, tal como previsto no plano de recuperação judicial aprovado pela assembleia geral, somente aos credores que tenham votado favoravelmente nesse sentido, conferindo tratamento diferenciado aos demais credores da mesma classe, em manifesta contrariedade à deliberação majoritária”. [1]

O voto do Ministro causou imensa repercussão inclusive entre seus pares, razão pela qual, uma vez confrontado pelo voto do Ministro João Otávio de Noronha, que divergiu do entendimento adotado pelo relator, optou o Ministro Marco Aurélio Bellizze por oferecer resposta a que convencionou denominar “ratificação de voto”.

Na ratificação, entretanto, o Ministro transparece um entendimento bem mais restritivo sobre o tema, deixando a compreensão de que a supressão das garantias contidas no plano de recuperação judicial aprovado em assembleia geral de credores alcançaria apenas o devedor em recuperação e os credores envolvidos no processo recuperacional. Sob este panorama mais restritivo estaria preservada a ideia de conservação dos direitos e privilégios em desfavor dos coobrigados e fiadores.

Ocorre que a interpretação extraída do voto original do Ministro relator, beneficiando os fiadores e coobrigados dos contratos com garantia real e fidejussória vez que estende à estes a proteção dada à recuperanda, impactou sobremaneira o cenário empresarial, e já vem sendo recebida como uma grave violação à proteção dos credores no âmbito de uma recuperação judicial.

O contexto atual ainda é de incertezas quanto à aplicabilidade do julgado, mormente ao se considerar que a discussão sobre a matéria não se encerrou de maneira que ainda pende de decisão no STJ em sede de embargos de divergência. É de se notar, entretanto, que, pela relevância da matéria, o julgado muito em breve deverá colher seus frutos no mundo jurídico, se já não o colhe.

Também deve-se destacar que no último dia 8 de novembro o Sr. Henrique Meirelles, Ministro da Economia, divulgou nas redes sociais que será encaminhada para o Congresso Nacional “projeto de lei que vai facilitar a recuperação judicial de empresas em dificuldade no Brasil”. Em evento disse ainda que a lei visará o “empoderamento” dos credores e facilitação da adoção da medida por micro e pequenas empresas. Todavia até esta data o texto final do projeto não foi divulgado.

 

Referências

BRASIL. Lei n.º 11.101, de 9 de fevereiro de 2005, Regula a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária. Diário Oficial [da] União, Brasília, DF. Disponível em: . Acesso em: 15 nov. 2017.

BELLIZZE, Marco Aurélio. Ratificação de Voto do Ministro Marco Aurélio Bellizze, Relator no Resp. n.º 1.532.943 interposto por Dibox Distribuição de Produtos Alimentícios Broker Ltda., Andorra Logística e Transportes Ltda. e Exectis Administração e Participações S/A – Em Recuperação Judicial. Disponível em: . Acesso em: 15 nov. 2017.

[1] BELLIZZE, Marco Aurélio. Voto do Ministro Marco Aurélio Bellizze, Relator no Resp. n.º 1.532.943 interposto por Dibox Distribuição de Produtos Alimentícios Broker Ltda., Andorra Logística e Transportes Ltda. e Exectis Administração e Participações S/A – Em Recuperação Judicial. Disponível em: . Acesso em: 15 nov. 2017.