O Decreto nº 9283/2018 e a ampliação do conceito de parcerias público-privado.


Wanderley Romano Donadel

Foi publicado no Diário Oficial da União do dia 08 de fevereiro de 2018 o Decreto nº 9.283, que estabeleceu diversas medidas de incentivo à inovação e à pesquisa científica e tecnológica no ambiente produtivo, regulamentando, entre outras, a chamada Lei da Inovação (Lei nº 10.973/04).

Talvez seja muito cedo para compreendermos todas as mudanças que tal legislação causará no arcabouço jurídico público brasileiro, mas o fato é que uma breve análise do decreto é suficiente para percebermos a enorme potencialidade cooperativa entre público e privado que o novel Decreto pretende alcançar.

Importante destacar, que o aludido Decreto veio também regulamentar o chamado Marco Legal de Ciência, Tecnologia e Inovação (Lei nº 13.243/2016) que representou uma virada de página legislativa[2] no desenvolvimento da pesquisa no Brasil, pois pretende desburocratizar as atividades de pesquisa e inovação, criando novos mecanismos para incentivar a integração entre instituições científicas e tecnológicas e o setor empresarial.

Para se ter ideia da potencial transformação que tal Decreto pretende trazer, basta constatar que a nova prescrição regulamenta ainda, (i)o art. 24, § 3º, e o art. 32, § 7º, da Lei nº 8.666/93, (ii) o art. da Lei nº 8.010, de 29 de março de 1990, e o art. , caput, inciso I, alínea g, da Lei nº 8.032/90 e altera o Decreto nº 6.759/09, tudo visando estabelecer medidas de incentivo à inovação e à pesquisa científica e tecnológica no ambiente produtivo.

Segundo o Decreto nº 9293, a Administração Pública (incluídas as agências reguladoras e as de fomento) poderão estimular o desenvolvimento de projetos de cooperação entre empresas, Instituições Científicas, Tecnológicas e de Inovação (denominadas ICTs) e entidades privadas sem fins lucrativos com foco na geração de produtos, processos e serviços inovadores, além da transferência e difusão de tecnologia:

Art. 3º A administração pública direta, autárquica e fundacional, incluídas as agências reguladoras, e as agências de fomento poderão estimular e apoiar a constituição de alianças estratégicas e o desenvolvimento de projetos de cooperação que envolvam empresas, ICT e entidades privadas sem fins lucrativos destinados às atividades de pesquisa e desenvolvimento, que objetivem a geração de produtos, processos e serviços inovadores e a transferência e a difusão de tecnologia

Nesses casos, as partes deverão prever, em instrumento jurídico específico, a titularidade da propriedade intelectual e a participação nos resultados da exploração comercial das criações resultantes da parceria. Enfim, o Decreto regulamenta a possibilidade do Estado se tornar “sócio” em empresas que estejam em fase embrionárias, as chamadas startups[3]:

O texto é conhecido como Marco Legal da Ciência e Tecnologia e traz como uma das principais novidades a possibilidade das universidades públicas, dos centros de pesquisa, das agências de fomento, das empresas públicas e das sociedades de economia mista poderem participar como sócias de startups tanto de forma direta como por meio de fundos de investimentos[4].

O edito também regulamentou de forma mais precisa as parcerias entre empresas do governo e do setor privado, contemplando inclusive a figura das ICTs – Instituição Científica, Tecnológica e de Inovação, que poderão ser públicas ou privadas.

No mesmo sentido, passou a permitir a chamada “encomenda tecnológica”, que poderá dispor sobre a cessão do direito de Propriedade Intelectual, o licenciamento e a transferência de tecnologia, ou seja, o governo terá o direito de pedir para que sejam fornecidas soluções tecnológicas para auxiliar e resolver problemas da administração pública, tendo facilitado o licenciamento de produções de universidades.

Mais que isso, as próprias universidades poderão compartilhar suas infraestruturas com empresas privadas, cedendo prédios para parceiros, a fim de criar ambientes criativos e de colaboração, sendo que esses processos poderão ser feitos sem a necessidade de licitação.

O Decreto também prevê que a compra de insumos para o uso nas pesquisas poderá ser feita de forma mais descomplicada, diminuindo toda a questão burocrática que, às vezes, faz com que os trabalhos fiquem parados durante tempo indeterminado.

Por falar em Licitação, o inciso IV do § 2º, do art. 3º da Lei de Licitações finalmente traz critério mais compreensível para sua aplicabilidade em relação a casos concretos:

  • 2o Em igualdade de condições, como critério de desempate, será assegurada preferência, sucessivamente, aos bens e serviços:

IV – produzidos ou prestados por empresas que invistam em pesquisa e no desenvolvimento de tecnologia no País. (Incluído pela Lei nº 11.196, de 2005)[5]

Obviamente, as Instituição Científica, Tecnológica e de Inovação pública – ICTs públicas deverão, ainda, prestar informações anualmente ao Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações sobre sua política de Propriedade Intelectual, as criações desenvolvidas, as proteções requeridas e concedidas, os contratos de licenciamento ou de transferência de tecnologia, entre outras.

Enfim, a gama de alterações advindas com o aludido Decreto tem potencialidade para criar um ambiente de maior sinergia entre o ambiente científico e técnico, público e privado, ampliando inclusive o conceito de parceria público-privado. As ferramentas e a intenção do legislador são claras quanto a isso, sendo que o maior entrave estará na cultura arraigada em tais ambientes que paradoxalmente no Brasil sobrevivem como ambientes antagônicos.

 

 

[1] Advogado Gestor do Departamento de Mercado Público do escritório Cerizze Donadel Mikhail Teixeira – Soluções Jurídicas Empresariais. Mestre em Direito. Professor de Direito nos cursos de Graduação e Pós-Graduação em Direito.

[2] Digo legislativa, pois por falta de regulamentação até o momento, muito pouco se teve de mudança efetiva, pelo menos tendo em vista a potencialidade de mudanças.

[3] Startup significa o ato de começar algo, normalmente relacionado com companhias e empresas que estão no início de suas atividades e que buscam explorar atividades inovadoras no mercado.

[4] http://fintechlab.com.br/index.php/2018/02/09/decreto-permite-a-universidades-e-empresas-publicas-serem-socias-de-startups/

[5] Momento muito propicio para a regulamentação de tal artigo, especialmente em virtude do Ministério do Trabalho ter proibido a aplicação de taxas negativas (deságio) pelas operadoras de vale refeição e alimentação, na venda dos “vouchers” às empresas beneficiarias no âmbito do Programa de Alimentação do Trabalhador (PAT). Nos últimos anos, as operadoras passaram a praticar taxas negativas para empresas grandes, fechando contratos com deságios de 4%, 5%. Assim, as operadoras que já praticavam taxas negativas, não teriam problemas em praticar taxa igual a zero, literalmente acabando com a competitividade no ramo. Com o novo Decreto, surge a possibilidade de, em caso de empate, a administração optar por aquela empresa que efetivamente invita em pesquisa e desenvolvimentos, nos termos da Lei.