Aspectos controversos da Perpetuactio Jurisdictionis na nova legislação processual civil brasileira

Gabriel Moreira Neves | Wanderley Romano Donadel

O ordenamento jurídico é dotado de regras que visam estabilizar o processo, a fim de impossibilitar que fatos ulteriores possam modificar elementos constitutivos da relação processual. O princípio da perpetuação da competência – a perpetuatio jurisdictionis – destina-se a promover essa estabilidade na fixação da competência do juízo no ato do ajuizamento da ação. A lei processual deve atentar-se a esse princípio civilizatório a exemplo do que faz o Código de Processo Civil no art. 43 (bem como já ditava o art. 87 do CPC de 1973) no qual se estatui o referido comando principiológico, implicando na impossibilidade da modificação posterior da competência territorial.

No entanto, em que pese a objetividade do texto do legislador na definição do dispositivo, o dia a dia forense levanta diversas situações nas quais a aplicação do referido princípio é mitigada em face das singulares situações fáticas. Assim, no intuito de se evitar a manipulação do judiciário, faz-se necessário esmiuçar as exceções que o próprio art. 43 impõe à perpetuatio jurisdictionis, únicas hipóteses nas quais poderá ser alterada a competência supervenientemente1:

Art. 43. Determina-se a competência no momento do registro ou da distribuição da petição inicial, sendo irrelevantes as modificações do estado de fato ou de direito ocorridas posteriormente, salvo quando suprimirem órgão judiciário ou alterarem a competência absoluta.2 (grifo nosso)

Como se vê no texto extraído do CPC, em primeiro plano tem-se a supressão do órgão judiciário. Em se tratando da extinção de órgão jurisdicional onde tramitava o feito, a competência naturalmente será alterada, sucedendo-se com a remessa dos autos à jurisdição da vara competente.

Em segundo plano, têm-se as alterações da competência absoluta, como ocorre nas hipóteses de criação de varas especializadas a uma determinada matéria. Necessário dizer que o fato de não haver juízo especializado dentro daquele foro não implica em alteração da competência territorial. Em havendo criação de uma nova vara, altera-se a competência. Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça editou a súmula 206:

Súmula 206/STJ: A existência de vara privativa, instituída por lei estadual, não altera a competência territorial resultante das leis de processo.

Imperioso destacar que a perpetuatio jurisdictionis busca, sobretudo, a estabilização e subsistência dos elementos fáticos e jurídicos em virtude dos quais foi determinada a competência. Arruda Alvim3 assevera que “o instituto da perpetuatio iurisdictionis prende-se à necessidade de estabilidade da competência de foro, em particular, e, assim, uma vez determinada e fixada esta, quaisquer modificações de fato ou de direito supervenientes são irrelevantes em sua estabilidade”.

Nesse sentido, ainda que o cerne do princípio da perpetuação da competência seja bem claro, bem como suas exceções, os julgadores brasileiros ainda divergem quanto à fixação da competência nesse sentido. Tal situação é flagrante em ações propostas por instituições financeiras visando a recuperação de créditos, nas quais, em grande parte dos casos, os devedores mudam de endereço sem comunicar ao credor.

Ao passar ao estado de inadimplência e deslocar-se a outro domicílio sem contatar o credor, torna-se impossível a localização prévia do devedor para ajuizamento da demanda em seu novo foro. Desta forma, a rigor, ações desse gênero são propostas no foro do domicílio do réu à época da normalidade da relação contratual, onde as comunicações da relação jurídica entre as partes eram enviadas ao contratante que, por sua vez, realizava os pagamentos.

Exigir que a fixação da competência se dê apenas com a citação válida do requerido não parece ponderado. Do contrário, estaria o judiciário brasileiro fadado à itinerância de centenas de milhares de processos, posto que a simples alteração do endereço do domicílio das partes acarretaria livre remessa dos autos pelas mais distintas comarcas do país.

Conclui-se que a perpetuação da competência não se confunde com a estabilização da demanda. Esta sim se estabiliza ajuizada a ação e citado o réu. Pode-se dizer que a perpetuatio jurisdictionis decorre do próprio princípio constitucional do juiz natural, impedindo que as modificações de competência impactem nos processos em trâmite. É uma maneira de assegurar a neutralidade e a efetividade do órgão julgador.

Portanto, quando protocolada a inicial, ela se torna revestida diante de alterações de fato e de direito. Ou seja, a competência está perpetuada assim que interposta a ação, sendo as situações trazidas no art. 43 as únicas hipóteses excepcionais, capazes de afastar eventualmente a perpetuatio jurisdictionis.

 

1 CÂMARA. Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. Vol. I, 23 ed. São Paulo: Atlas, 2012. P. 107. 2 BRASIL. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Disponível em: . Acesso em: 09 nov.

3 ALVIM, Arruda. A perpetuatio jurisdicionis no Processo Civil brasileiro. Manual de direito processual civil, 10. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, v 1. P. 109.